O USO DOS SAMBAS-ENREDO EM SALA DE AULA: UMA PERSPECTIVA PARA NOVOS OLHARES E PROBLEMATIZAÇÕES
- Larissa Barth
- 24 de nov. de 2021
- 5 min de leitura
LITERANDO A HISTÓRIA
PRPA - Projeto Revista Problematiza Aê! NOV. 2021 Ano I Nº 010
Por LARISSA BARTH [1]
[1] Lattes
Desde o momento da independência do Brasil, o ensino de história do país, passou a ser uma preocupação, pois tinham o objetivo de formar um “ideal de nacionalidade”, exaltando os heróis da pátria, e os principais processos. Contudo, essa exaltação ocorria em torno de certos personagens (homens, brancos, da elite), e os processos privilegiados eram “combates militares”, grandes feitos dos considerados “heróis”.
A partir do final do século XX e início do XXI, aparecem questionamentos acerca do ensino de história, e com isso várias problematizações sobre o que, e como, certos processos são apresentados. Com isso, conteúdos que antes ficavam centrados somente no papel dos homens brancos e da elite, sobre algum acontecimento, passam por certa revisão, onde são apresentadas questões mais aprofundadas, e trazem consigo um ensino que passa a visibilizar sujeitos que antes eram apagados, como as mulheres, a população negra, os indígenas.
Junto as mudanças sobre o que também passa a ser conteúdo, temos a ampliação das fontes que podemos usar para tratar dos mais diversos assuntos, como por exemplo o uso do cinema em sala de aula, de músicas, sendo dos mais diversos estilos, como por exemplo os sambas-enredos.
O samba-enredo, é um subgênero do samba, que é utilizado para puxar os desfiles das escolas de samba durante o Carnaval. O carnaval chegou ao Brasil por meio dos portugueses ainda no período colonial, mas foi somente no final do século XIX que esse veio a ser a grande festividade que conhecemos nos dias de hoje. O samba surge no começo do século XX, em dois bairros cariocas, e na década de 1920, surgem as escolas de sambas.
O samba-enredo então passa a ser um dos principais elementos dentro dos desfiles das escolas de samba, por apresentar a temática e a mensagem que cada escola deseja passar aos espectadores. Nos anos do Estado Novo, chegou a ocorrer um incentivo do governo para que os sambas-enredos tratassem de temas com exaltação da cultura nacional. Contudo, o que era exaltado como cultura nacional nesses anos, era diferente do que tratamos hoje.
Atualmente, com as novas interpretações historiográficas sobre os mais diversos aspectos, vemos sambas-enredo prestigiando a cultura e o povo afro-brasileiro, indígena, uma maior exaltação de personagens que antes eram apagados da história nacional, além de poder perceber críticas sociais, e também políticas.
Um dos exemplos de samba-enredo que tratam dessas novas questões que vemos serem discutidas na historiografia, foi o apresentado pela escola de samba Mangueira, no carnaval de 2019. Intitulado “História Pra Ninar Gente Grande”, feito pelo carnavalesco Leandro Vieira, o samba homenageia os heróis apagados da história brasileira, e a luta da população negra, indígena e das mulheres.
Desde a construção desse samba-enredo, são analisadas as histórias de personagens que não ganham destaque nos livros didáticos, mas que são verdadeiros heróis para o Brasil. Portanto, com a análise da canção, o seu uso em sala de aula pode ser muito enriquecedor, pois apresenta aos alunos outra perspectiva da história brasileira, de sua nação, de sua identidade.
Luiz Antônio Simas, historiador especialista em carnaval, diz que o enredo tratado pela Mangueira, “é de maior relevância”, por trazer um olhar crítico sobre a noção de protagonismo histórico, pois destaca personagens ligados ao povo, que participaram de importantes lutas e processos históricos.
O enredo vai na linha defendida por Walter Benjamin, grande filósofo e teórico da História, que falava da necessidade de 'escovar a história a contrapelo', ou seja, de tentar mostrar os lados não vinculados à história oficial - das grandes efemérides, e dos heróis consagrados do panteão da pátria", diz Simas, coautor de Dicionário de História Social do Samba (CARNEIRO, 2019).
Seguem-se versos do samba-enredo:
Brasil, meu dengo A Mangueira chegou Com versos que o livro apagou Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento Tem sangue retinto pisado Atrás do herói emoldurado Mulheres, tamoios, mulatos Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara E a tua cara é de cariri Não veio do céu Nem das mãos de Isabel A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho Quem foi de aço nos anos de chumbo Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Analisando esses e outros versos do samba, é possível fazer uma problematização acerca dos conteúdos tratados nos livros de história, e se pensar por que alguns personagens recebem tamanho enfoque pelos seus atos? E por que tantos heróis são simplesmente invisibilizados? Ademais, por que algumas questões são tratadas de um jeito e não de outro?
Com o samba-enredo, pode-se problematizar diversas questões, como o “descobrimento” (invasão) do Brasil, situação dos escravizados, e depois processo de liberdade dos mesmos. Pensar o importante papel de Dandara dos Palmares, que se suicidou para não voltar a condição de escravizada; do povo indígena cariri; do dragão do mar de Aracati, jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, que conseguiu a libertação dos escravos no Ceará quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea).
Dos caboclos de julho, que foram os indígenas que lutaram na guerra de independência da Bahia; de Luiza Mahin, uma das articuladoras da revolta dos Malês; dos própios malês, que eram negros muçulmanos que sabiam ler e escrever em árabe atuaram na revolta de mesmo nome; de Marielle Franco, importante política e socióloga, defendias importantes causas e foi brutalmente assassinada. Essas histórias e de tantas outras personalidades retratadas na canção, devem ser lembradas, ensinadas, e pensadas com extrema notoriedade, já que são grandes heróis brasileiros e fazem parte da identidade do país.
A historiografia brasileira passou por muitas renovações, contudo, as mudanças não são do dia para noite, nem nos livros didáticos, nem no imaginário da população. Portanto, cabe aos professores, fazerem uso de outras fontes para trazer conhecimento acerca de processos e personagens históricos. “Na sala de aula, o historiador deve ser capaz de estimular em seus alunos o raciocínio crítico sobre a sociedade social do presente e do passado” (MATTOS, 1998, p. 124).
Logo, inserindo novas fontes, como o uso então dos sambas-enredos, junto ao livro didático, o professor consegue apresentar novas perspectivas aos alunos, propiciando que os mesmos adquiram raciocínio crítico acerca de diversos assuntos da história do Brasil. Saber como ocorreram os processos históricos de fato, e quem são os verdadeiros heróis importantes para a identidade da nação.
COMO CITAR
BARTH, Larissa. O Uso Dos Sambas-Enredo Em Sala De Aula: Uma Perspectiva Para Novos Olhares E Problematizações. Literando - Projeto Revista Problematiza Aê!, ed. 010, v. 01, nov. 2021. Disponível em <https://revistaproblematiza.wixsite.com/inicio/lt001>.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, D. Júlia. Carnaval 2019: as histórias do “país que não está retratado” cantadas pelo samba da Mangueira. BBC News Brasil, 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47409435>. Acesso em 9 de novembro de 2021.
MATTOS, B. Marcelo. História: Pensar e Fazer. 1. ed. Niterói: LDH-UFF, 1998.
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